Metodologia da Pesquisa

 

A pesquisa Devir Criança orienta-se pela perspectiva genealógica de Michel Foucault e apresenta uma peculiaridade interessante: não se contenta  em vasculhar  os documentos de maneira neutra. Ao contrário, faz questão de apontar uma direção desde o seu título: a criança apontada enquanto devir e a anormalidade enquanto acontecimento. Trata-se de enfocar as categorias da infância fora de qualquer absoluto, buscando apreender seu sentido no campo dos acontecimentos históricos, deixando de lado os significados acabados, inequívocos, naturais.
Buscar o ponto de surgimento, a emergência desses acontecimentos  significa construir uma história do presente, ou ainda, uma genealogia do presente. É’ a importância que um objeto tem hoje que faz com que o pesquisador se debruce sobre ele e retorne ao seu passado para procurar os traços do seu começo. Questões que tiveram uma enorme importância no passado hoje podem não constituir configurações problemáticas. Mas, com fazer a historia do presente? Não é tarefa fácil. Um acontecimento surge num dado momento e se desdobra pela história nas inúmeras máscaras que o ‘carnaval do tempo’ faz reaparecer sem cessar. E a grande dificuldade está em estudar estas mudanças de maneira não evolucionista.. Ou seja, como pensar as chamadas anormalidades infantis enquanto categorias que se diferenciam historicamente sem buscar, nem para a infância nem para a anormalidade, qualquer identidade? É possível escapar de estabelecer algum tipo de sequência, continuidade e/ou evolução nas práticas de punição, segregação, higienização e pedagogização que se observam no Brasil entre os séculos XIX e XX? O demente, o idiota, a criança anormal, o delinquente não seriam faces distintas do mesmo objeto? Paul Veyne (1982) nos diz que “só a ilusão do objeto natural cria a vaga impressão de uma unidade”.
Neste sentido, a prática, noção central de uma nova metodologia da história, não é uma reação a um mesmo objeto que se encontra dado desde o início, algo que deva ser traduzido em uma verdade ou demonstração cabal de um conceito. A criança anormal não existe como objeto, mas somente no interior de uma prática que não é, em si mesma, a criança anormal. Entendamos, as práticas, longe de se referirem a um mesmo objeto, marcam um jogo de rupturas e dispersão, de tal maneira que, falar da identidade dos discursos sob as anormalidade infantis, é ao mesmo tempo, falar da descontinuidade que anula sua permanência. As práticas de internação e separação das crianças consideradas anormais recortam objetos diferentes daqueles que se delineiam nas práticas psiquiátricas, pedagógicas e jurídicas da atualidade. Embora se considere todo o processo histórico de composição que as constituíram, não se trata das mesmas crianças nem das mesmas anormalidades.
Esta pesquisa de fontes, ao propor o caminho genealógico de análise, pretende partir, como nos ensina Foucault, da “crítica do documento”, não para tomá-lo como o faz a história tradicional – instrumento de uma memória milenar e coletiva que expressa em si mesma a verdade de um passado do qual ela emana e permite reconstituir. É preciso tomar o documento não para restabelecer um discurso histórico sobre o já dado, onde as relações entre os fatos ou acontecimentos se definem por causalidade ou continuidade. A genealogia procura o acontecimento no jogo de forças que o engendra, no ”acaso da luta”, no abandono  das essências colocadas fora do tempo, referência sempre presente que teima em nos apontar um sentido final para a história e uma identidade para nós mesmos. Ao invés da cronologia contínua da razão, fazer surgir a dispersão, integrando-a análise como elemento positivo que permite pensar a diferença, a singularidade do acontecimento.

 

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